quinta-feira, abril 29, 2010

Em Cartaz

Talvez uma ultrapassada metáfora ainda chame a atenção de alguns leitores.


CENA I



Toca-se uma música triste e arrastada. No palco de madeira, surrado pelo tempo, ouvem-se os passos daquele que, apesar de ator principal, não comporta em si qualquer atrativo. Com pesar, ele se encaminha rumo ao facho de luz refletido pelo grande holofote no centro do tablado. A platéia encontra-se em silêncio; apreensiva; ansiosa. Mas não faz idéia do que esperar. Nem imagina o que virá a seguir. A melodia cessa. O personagem, que nem precisou de maquiagem para se caracterizar, para inexpressivo frente ao público, que espera, agora, impaciente. Um burburinho de insatisfação sufoca o ambiente. As cadeiras rangem mediante o desconforto dos expectadores. O jovem sem graça entreabre os lábios, entretanto não termina o movimento. A sensação perceptível fora a de que aquela figura nefasta esquecera o texto. Porém não havia nada a ser dito. Nenhuma palavra a ser pronunciada. Aquela imagem dramática, então, abaixa a cabeça de maneira lenta. As pessoas presentes se entreolham, confusas. O teatro volta a ficar taciturno. Nem a respiração se podia ouvir... Até que, de maneira cortante e aguda, uma espessa lágrima toca o chão.

FIM DO I ATO

segunda-feira, abril 26, 2010

Em Sentido Oposto

Cansei de procurar me entender. Ainda assim, arrisco-me com essa tarefa em se tratando dos outros. Estes que, se importam quando precisam. Que escutam quando convêm. Que abraçam quando querem ajuda.

Não, isto não é sentimentalismo barato ou melancolia aguda. É denúncia de injustiça, apenas. Falta de coerência. Com as ações e as palavras proferidas.

Não quero mais esconder-me no recôndito do meu quarto. Não pretendo manter o grito preso na garganta. Mesmo assim, entre sair e ficar, vou apenas deixar a porta aberta. Entre berrar e calar-me, dar-me-ei o direito de falar, apenas, um pouco mais alto.

Não para o mundo. Mas apara mim mesmo: agente em potencial e tranformador desta incomensurável "Caixa de Pandora". Que, em vez de respeitar o seu espaço, te sufoca. Que se acostumou a não mais lhe oferecer novas propostas. Que pouco se importa com que rumo sua vida tomará. Mesmo assim, neste mar de individualismo, agirei pensando em mim e naqueles que me cercam. Por mais cara que seja esta ação. Por mais dissabores que possa me oferecer. Vou andar na contramão. E seguirei de bicicleta, que é para ocupar menor espaço e poluir menos. Avançarei sem me esbarrar em ninguém. Sem "arranhar a lataria" dos outros. Minha proposta inclui o não-incômodo ou desconforto alheio.

Só quero ser feliz. E que, em meio a este universo governado pelo inverídico, minha sensação seja uma estranha e esquecida realidade.

terça-feira, abril 13, 2010

Em Meio ao Meio

Metade de mim quer acordar; a outra metade prefere ficar na cama. Ama.
Metade de mim ambiciona o frescor; a outra deseja o ardor. Dor.
Metade de mim anseia pelos raios intensos do sol; a outra metade pede para que o tempo se feche em chumbo e frio. Rio.
Metade de mim acha que deve avançar; a outra entende que o despenhadeiro esteja logo à frente. Rente. Ente.
Metade de mim almeja metaforizar sobre a vida e as situaçãoes que a mesma oferece; a outra metade acredita que tudo o que é pensado ou escrito a respeito é piegas e obsoleto (inclusive estas duas últimas palavras) - silêncio.
Metade de mim preferiria sorrir sempre; mas é a metade do choro que predomina. Mina.
Metade de mim opta por admitir que haverá um futuro promissor; a outra sabe que são só suposições. Posições.
Metade de mim requer o coloquialismo; a outra metade determina que eu seja formal. Forma. Mal.
Metade de mim é abstrata; a outra é concreta. Reta.
Metade é criativa, ousada e inovadora; a outra fede a mofo e abriga traças. Raças.
Metade de mim quer sempre uma das metades; a outra metade, também. Amém!