Por instinto, levei as duas mãos à face, em forma de "x", para me proteger. Os cães, contudo, passaram como balas pelos meus tímpanos. Gelei. E, num sobressalto, virei-me para ver e entender - ou pelo menos tentar - o que acontecia. Meus cães latiam, ferozes, para o espectro mais impressionante que já vira. Tinha cerca de dois metros de altura. Tudo isso para dar conta dos músculos incontáveis que pareciam ter sido feitos à mão (um físico que fazia Miro Moreira parecer o Pinóquio). Era como uma miragem. Não havia nexo acreditar que era real.
Seus cabelos eram como os de um ator mexicano. Minha memória me trouxe, de pronto, Carlos Daniel Bracho. "A Usurpadora" fez muito sucesso, sim. E que me atirem a primeira pedra quem nunca a assistiu. Mas do amor de Paulina ele só tinha as madeixas castanho-escuro. Ainda assim, num formato e corte muito superiores. Suas sobrancelhas eram másculas, mas não menos bonitas. Tinham pelos espessos, distribuídos de maneira equilibrada. Tudo para coroar seus olhos cor de mel. Misteriosos, alegres e brilhantes; muito brilhantes. Mais abaixo, estava o nariz. (Seria o Doctor Rey o responsável por aquilo? Não! A estrutura era muito bela para ter sofrido interferência de um cirurgião.). Ele era afilado e perfeitamente arrebitado. Não chegava a ser feminino - até porque tinha o tamanho proporcional à face de homem -, mesmo assim era incrível. Seus lábios, naturalmente rosados, eram finos na parte superior, em contraposição à inferior que era mais grossa. Deveriam ter saído da mesma "fábrica" que fez os da Angelina Jolie. A diferença estava no caráter viril que eles denotavam. Por fim, o queixo. Era quadrado e imponente. Conferia ao seu rosto uma estrutura indiscutivelmente sintonizada. Em qualquer ângulo. Se eu tivesse metade de toda aquela beleza, mulher nenhuma me "daria um fora". Mas, enfim... O pescoço, musculoso como todo o resto, sustentava sua face de deidade. Parecia milimetricamente pensado para compor aquela "estátua viva". Seu peito e braços estavam nus. Suas calças eram pretas. Pareciam petróleo em estado sólido. E o cinto, com uma fivela com um design excepcional (lembrava um brasão), combinava com o dourado que vinha de seus pés.
Meus fiéis escudeiros continuavam latindo. Rosnavam, impacientes, enquanto a criatura me contemplava com um leve ar de desdém. Ela flutuava e, à medida que a luz dourada que emanava de seu corpo se tornava mais fraca, o personagem colocava os pés, adornados por cuturnos dourados - do mais precioso quilate - no chão. Pensei que, quando isso acontecesse, ouviria um agudo som de metal, mas, para minha surpresa (mais uma nesse dia esquisito), foi como se o chumbo encontrasse uma piscina de plumas dum nobre ganso. Engoli em seco.
__ Deveria ver seu rosto agora, paspalhão! - Disse aquele ser escultural. Fora a voz mais impressionante que já ouvira na vida. Fazia o Cid Moreira parecer o narrador do Pato Donald.
Tentei responder, mas minhas cordas vocais pareciam ter sumido. Abri a boca em "o", mas isso só deve ter deixado minha face ainda mais caricatural. O homenzarão, com cara de jovem, contudo, sorriu. E era, para mais um de meus espantos, como ouvir um violoncelo afinado.
__ Tenho muito o que dizer. A partir de hoje, sua vida nunca mais será a mesma. - Pronunciou.
Enquanto falava, movia-se ao meu encontro. Luque e Sol, aqueles bananas, pareciam coelhos, de tão dóceis agora. Sabia que, um dia, me arrependeria por ter escolhido cockers em vez de pit bulls. Mas eles me pagariam, quando tudo aquilo tivesse acabado. Daria um banho bem frio e demorado em ambos.
Instintivamente, dei dois passos para trás. Encostei na máquina de lavar e lembrei que continuava de cueca branca, como costumava ficar sempre que ia dormir. A lavadora de roupas estava fria. Dei um leve salto e, dessa vez, o "sr. Todo Trabalhado no Luxo" gargalhou.
Instintivamente, dei dois passos para trás. Encostei na máquina de lavar e lembrei que continuava de cueca branca, como costumava ficar sempre que ia dormir. A lavadora de roupas estava fria. Dei um leve salto e, dessa vez, o "sr. Todo Trabalhado no Luxo" gargalhou.
__ O que - que - que você quer? Baubuciei. E quis, no mesmo instante, não ter perguntado nada. Minha voz soou mais estridente que nunca. Fazia uma vuvuzela parecer instrumento de orquestra sinfônica. Suspirei - não sei se pelo constrangimento ou pelo medo que sentia.
__ Não precisa ter medo, Artur! - Ôpa! Eu não me apresentara... Como sabia meu nome? Aquilo já estava me deixando nervoso. Rá! E quando eu assim me encontro... Que diferença faz? Acho que, nestas circunstâncias, nem se eu ficasse verde e triplicasse de tamanho adiantaria. __ Você não me conhece, mas venho o observando desde que você era um bebezinho. - Continuou.
__ Como assim? Eu não sei quem é você. Na verdade, nunca nem imaginei ninguém assim. Em todos esses anos de historinhas, livros, filmes, novelas e otras cositas más. - Consegui, por fim, falar com certa fluência. Ao acabar, ele me contemplava, tranquilo e à vontade. Era como se fosse seu amigo, embora eu não soubesse disso. Nem meus amigos imaginários mais "bem elaborados" poderiam ser comparados àquilo. Ele pareceu ignorar parte do que eu dissera:
__ Bom, já que você não perguntou, me apresentarei. Sou Julius, muito prazer. - Enquanto sorria, simpático, ele estendeu a mão direita para me cumprimentar. Aquela composição cheia de grandes e alongados dedos estava coberta por uma luva do mesmo material das botas. Observava aquela porção do todo , atônito. Parecia brilhar hipnoticamente. Como se percebesse, Julius sorriu e, com um estalo ágil de dedos, a estrutura começou a se esfarelar. A cena me lembrou uma ampulheta. O estranho é que não havia pó caindo. A coisa sumiu e pude contemplar sua mão, aparentemente humana. __ Não vai apertá-la? - Questionou-me, cerrando os olhos.
__An... É... Claro! - Concordei por fim. Fiz o que ele esperava e, graças a Deus, não era uma estátua fluorescente quando terminei de realizar o gesto. Enquanto largava sua mão, percebi que, em seu pulso, havia uma tatuagem. Não como essas que a gente vê no Miami Inc. Ela era dourada. Simples, mas bonita. Traços perfeitos. E era idêntica à que eu tinha em meu pulso esquerdo. (Tá, tudo bem! A minha não era bem uma tatuagem. Era uma cicatriz, que estava ali desde que me entendo por gente. Mas, ainda assim, era idêntica.). __ Que bonita tatuagem - eu disse! Julius virou o pulso para si e concordou com um leve e elegante balançar de cabeça.
__ A sua também - retrucou! E ao olhar para meu pulso outra vez, minha "cicatriz de infância" piscava. Senti-me tonto. E as úlltimas coisas das quais me lembro são de uma gargalhada divertida e de Luque lambendo, com aquela língua gigantesca e ensopada, minha boca.
CONTINUA...