terça-feira, setembro 08, 2009

É cinza. É frio. É chuva...



"A nossa atmosfera estava carregada de tempestade,

A nossa própria natureza nublava-se,

Pois não tinhamos encontrado caminho algum..." (Nietzsche)


Elas caem do céu e, em contato com a possa, respingam em forma de disformes coroas... Dia chuvoso. Pesadamente cinza. Como se um canhão blindado flutuasse, de modo vacilante, sobre minha cabeça.
O hoje está triste e resolveu deixar suas espessas e intermináveis lágrimas caírem em mim. Está tão melancólico que se apresenta como a noite, sombria e fria. Iluminada, somente, pelas fraquejantes lâmpadas alaranjadas. Fachos inconstantes e oscilantes. Irônicos. Hesitantemente hostis.
E tudo coopera para o despertar do sonolento saudosismo. Ele tem sono pesado, mas este despertador trovejante é alto o bastante para colocá-lo de pé. Então, ele acorda... Devagarzinho. Despreguiçando-se e ocupando tanto o espaço, a ponto de deixá-lo sem ar. Respirar fica difícil. E esse mergulho intenso nas lembranças requer, vez por outra, a volta à superfície. Exige oxigênio. Se assim não for, sufocarei. Procurarei as moléculas, mas elas faltarão.
Dói, eu sei... Machuca, deixando evidente que é impossível não resgatar memórias. Não as trazer à tona... E aquele cheirinho de infância domina o nariz... Os amiguinhos da escola voltam a gritar, sorrir e convidar-me para brincarmos, despreocupados, pelo parquinho. E eu me jogo. Brado! E comprovo o quão importantes foram. Quão amáveis se tornaram... Uma época em que a inocência ditava as regras e nos faziam livres de qualquer norma que não fosse viver. De verdade. Sem a menor preocupação com o tempo; com o clima; com as estações. Tudo era de mentirinha. Essa era a mais pura verdade. Entretanto eu a perdera. Tornou-se abstrata. Distante demais. Imperceptível e indecifrável. Escoou pela calha desgastada pelo vento e a força das tempestades. Como a que agora cai e teima em perturbar. Molhar. Desencadear resfriados. E aqui minhas narinas tremem num abre e fecha descompassado. Irritam os olhos que, fracos, denunciam o estrago que o temporal é capaz de causar. Um suco brilhante se forma. Em tal grau obeso que se assemelha a límpidos cristais, só que na forma líquida. Ele se derrama em sinal de protesto e, com ímpeto, rola face abaixo até despontar no queixo fraquejante e furtivo.
Um raio.
Um estrondo!
Um silêncio cortante...
Sinto um arrepio. Suspiro. “Que dia frio!” Quanta inquietação! Estou cheio. Como os riachos e lagos que, pelo excesso das águas pluviais, transbordam. Derramam... Justificando o ensinamento tempestivo do filósofo grego, Epicuro, que afirmara que “os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.” No entanto eu só um mero marinheiro de primeira viagem...

NOTA: Imagem retirada do www.deviantart.com 

4 comentários:

  1. Du, eu li esse texto como se ele fosse escrito por mim mesma. É minha realidade hoje. Também é tempo de tempestade em meu coração. E as lágrimas, como rio, são correntes por aqui também. Texto lindo e sensível. Sábio. Maduro. Carregado de verdade sobre o que sentimos em tempos 'frios' e cinzas...

    Beijo em seu coração...

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  2. É bom saber que meus textos ultrapassam a barreira do "pra mim mesmo" e consigam reatrar a realidade de outros seres humanos. Molhados, por vezes, e sedentos pelo aconchego de uma "casa confortável". A minha chama-se coração e está de porta escancarada para recebê-la. Entre! Tem aquecedor...

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  3. Du, ameei o novo styyyle do blog, as fotinhos ficaram mt legais!!!!

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  4. Valeu, Isamara!

    O layout ajuda a atrair leitores, né?

    O beijo e obrigado pela visita.

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